Quando comecei a tocar violão, nem me passava pela cabeça compor...
Seguia as tendências da época, tocando e cantando músicas italianas, francesas, americanas, e deixava pouco espaço para a música brasileira. As orelhas que mais sofriam com meu treinamento eram as de minha mãe, que um dia me sugeriu procurar alguma turma de músicos para trocar ideias.
Este era exatamente o caso da turma de meu primo-irmão Líscio. Combinei com ele e um dia fui encontrá-los. Gente fina: Líscio, Joãozinho, Paulo Augusto, Paulo “Violão” e talvez o Isnard, não lembro. Gentilmente, eles se dispuseram a me ouvir. Para desespero deles, a música que eu resolvi tocar foi exatamente "The House of the Rising Sun", uma coisa meio gritada e vista como brega. No meio da música eu já percebi que tinha dado um tiro no pé. Eles, chegados à música brasileira, mas muito calmos, fizeram o possível para não me estrangular. Em vez disso, tocaram MPB e bossas novas geniais e me converteram imediatamente à melhor música que o Brasil já criou. Fui tentando me aperfeiçoar nisso. Tempos depois, Octávio, Paulo Augusto, Ricardo e eu já formávamos um grupinho boêmio e, nas serenatas e nos botecos da cidade, cantávamos Noel Rosa, Carlos Lyra, Baden, Tom, Chico Buarque, Edu Lobo...
Um dia, Ricardo e Paulo Augusto me pediram o violão emprestado, porque tinham conhecido um compositor
carangolense que morava no Rio. (Cito isso em outro trecho do site.) Meio ressabiado, emprestei. Eles
ficaram maravilhados com o cara. Uma ou duas semanas depois, me pediram o violão emprestado de novo.
“Só se eu for junto”, disse. E fui. Encontrei o Ricardo, o Paulo Augusto e o Paulinho “Seboso”
(apelido sacana para um cara legal). O compositor chamava-se Lilito e tinha um ótimo repertório de MPB,
mas também de músicas dele, que eram ótimas. Isso completou os três fatores que me levaram a compor:
UM. Meu pai, poeta, era ligadíssimo em música, cantava, tocava violão e foi parceiro do grande maestro Guerra Peixe, em músicas que fizeram por curtição.
DOIS. Quando aprendi a tocar violão, ganhei muito espaço para tocar, mas perdi o espaço para conversar, o que me fazia muita falta.
TRÊS. O incentivo dos amigos de sempre e do novo amigo, Lilito, o tal cara talentoso e sorridente. Ele não tem sangue nas veias, tem sons.
Quando eu o ouvi cantando, eu me perguntei: será que eu também consigo compor? Fui verificar. Na próxima semana em que o Lilito voltou, já mostrei uma canção. Ele aprovou, o resto da turma também, e eu não parei mais. Dali pra frente, compus desenfreadamente. Não demorou, Lilito e eu fizemos parcerias, e logo se juntaram outros parceiros, como o Mauricio Dias e o Rogério Mendes, mineiros radicados no Rio.
Eu logo percebi que fazia música para contar alguma coisa que achava interessante ou para dar uma opinião, filosofar, desabafar, me declarar ou me divertir. Daí, descobri que sou mais cantador do que compositor. Dori Caymmi e Nelsinho Motta já disseram: “Cantador não escolhe o seu cantar, canta o mundo que vê”. É isso.
Isso de fazer músicas começou a dar certo quando saímos do casulo e passamos a cantar para outras pessoas, fora do grupinho. Nosso trabalho foi bem aceito. Fomos ficando cada vez mais saidinhos e logo estávamos fazendo pequenas apresentações em auditórios e festivais, cantando músicas nossas, como “O Beco”, só minha, e “Chorinho”, parceria com o Lilito e Carlos Gaio e com um belíssimo arranjo do genial Guerra Peixe. Foi essa empolgação que me animou a tentar a vida no Rio de Janeiro, onde parte do grupo já morava. Quando o Paulo Augusto perguntou se eu topava ir para o Rio, não pensei duas vezes.
Poucos dias depois de decidir ir para o Rio, eu estava na casa da Heloísa Iscold de Oliveira, amicíssima até hoje, conversando com ela e com seus pais, que eram conhecidos por nós como Ilo Encantamento e Helena Maravilha, o que já mostra como era a dupla. Falei de meu plano de tentar alguma coisa no Rio, porque já tinha onde me hospedar e só estava esperando conseguir alguma grana para a viagem. Sem mais nem menos, Ilo e Helena apareceram com uma grana que daria para Paulo Augusto e eu viajarmos. Não me deixaram recusar. Queriam que eu realizasse meu sonho. Nunca mais esqueci. Graças a eles, em 10 de julho de 1968, lá fomos nós tentar a vida no Rio. Prometi a meus pais que, se não conseguisse emprego até dia 26, voltaria para JF no dia seguinte, meu aniversário. Arranjei emprego exatamente no dia 26.
Não foi um início muito simples, mas foi superdivertido para mim. Outra hora eu conto.
Quando a turma conseguiu se estabilizar, começamos a ensaiar mais e a incrementar as parcerias. Bem aos poucos,
as portas foram se abrindo. Algumas pessoas excepcionais cruzaram nossos caminhos: o compositor Mauricio Tapajós,
o poeta Hermínio Bello de Carvalho, o diretor de teatro Fauzi Arap, o maestro Artur Verocai, o cantor mineiro
Luiz Cláudio de Castro e o maestro Marcos de Castro, seu irmão – pessoas que acreditaram em nosso trabalho.
Os shows foram aparecendo e depois as gravações. Por uns tempos, nós nos voltamos inteiramente para os shows.
E então o trabalho de criação começou a aparecer: Eliana Pittman gravou “GB Ur-gente”, parceria com Mauricio Dias.
Célia gravou “Em Família” e "Azucri” (esta em parceria com Annamaria). Parcerias com o Lilito: Evinha gravou
“Só Quero Ver”, e minha conterrânea Cláudia gravou “Vai e Vem”. Simone registrou três músicas minhas: “Charada”,
“Caminho do Sol” (parceria com Mario Martins) e “Morena”. Depois, Roberto Ribeiro gravou “É Tão Tarde” e
“Se você não vê”.
Algum tempo depois, surgiram parceiros como Carlos Lyra, um dos papas da bossa nova; Pedro Nava, o maior memorialista brasileiro; Artur da Távola, jornalista, intelectual, depois senador da República; Alberto Land, que vencera um festival de música com “Helena, Helena, Helena”, interpretada por Taiguara; e Ana César, uma menina talentosa que depois saiu da área.
Depois de algum tempo, eu decidi parar com a música e joguei tudo fora. Letras, partituras, tudo.
Minha esposa de então, Annamaria, pegou tudo de volta e guardou em casa. Esperta, a moça. Em 1978, o diretor
Otoniel Serra, que eu conhecera em Juiz de Fora, em uma peça de teatro da qual participei, entrou em contato
e nos convidou para fazer um show na Sala Funarte, do Rio, só com músicas de nossa autoria – "nossa autoria”,
aí, se refere a Annamaria; Mario Martins, irmão dela e também parceiro; e eu próprio. O show foi um sucesso,
lotou todos os dias e nos deu um novo ânimo. Voltamos a compor desenfreadamente.
Um dia, nossa amiga Gilda Horta – cantora excepcional, irmã do Toninho Horta, um dos gênios da MPB e um cara bom – convenceu-nos a tentar participar do Festival MPB Shell, da Globo, em 1980. A RCA Victor estava procurando novos nomes e pretendia inscrever autores desconhecidos. Meio receosos, decidimos tentar, e eu acabei participando com a música “Déda”.
Lamentavelmente, um erro na copiagem logo no início do arranjo me desconcentrou. Cantei mal à beça, inseguro, e não fui classificado para a final. Mesmo assim, ainda gravei dois LPs e 2 compactos pela RCA, e a participação no Festival me valeu um convite do Augusto César Vannucci para trabalhar na Rede Globo como Diretor Musical da Linha de Shows, com a missão, entre outras, de compor para os musicais infantis que ele pretendia criar, outros programas especiais e alguns periódicos, como Aplauso (variedades) e Estúdio A...gildo (humorístico). A partir dali, meu trabalho de compor voltou-se quase inteiramente para a TV.
Nessa fase, nosso maior sucesso foi o programa Plunct Plact Zum, seguido por outros como Pirlimpimpim, Tem Criança no Samba, Uma Aventura no Corpo Humano, Tiradentes Nosso Herói, A Era dos Halley e A Turma do Pererê, do fantástico e incrível boa-praça Ziraldo.
O programa foi escrito por mim, pelo Vannucci e pelo Sílvio César, que é autor da música que toca nesse vídeo abaixo.
Veja um trecho do programa no site da mémoria da TVGlobo: (Uma Aventura no Corpo Humano).
Talvez haja mais detalhes neste endereço: (Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira - MPB).
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